Faixa etária de risco
Drauzio – Qual a faixa etária com maior risco de sofrer infarto do miocárdio?
>A faixa etária vem caindo nos últimos 20, 30 anos. Antes, quando entrava no Incor um paciente com 40 ou 50 anos, a equipe médica se surpreendia, porque o infarto acontecia, em geral, depois dos 60. Hoje, no entanto, é rotina atender casos de infarto em pessoas mais jovens.
Drauzio – Como você explica esse fato?
> Acredito que, no passado, a aterosclerose ocorria mais lentamente e os que envelheciam, mais cedo ou mais tarde, apresentariam um problema coronariano. Como se sabe, o infarto é uma doença multifatorial. Infelizmente, algumas condições de vida do homem moderno contribuíram para acelerar esse processo. Pessoalmente, dou muita ênfase aos hábitos alimentares, à redução das atividades físicas e aos efeitos nocivos do estresse.
Drauzio – Você citou a dieta de hoje mais rica em calorias, mas no passado se cozinhava com banha de porco o que acentuava o teor calórico dos alimentos. Não parece um contrassenso culpar apenas o excesso de colorias pela ocorrência de infarto mais precocemente?
>A banha de porco talvez não fosse tão importante no cômputo geral das calorias, quanto é a comida fast food. Quando comemos um hambúrguer, uma porção de batata frita e tomamos um milk shake, em poucos minutos ingerimos de 1.000 a 1.500 calorias, o que representa praticamente a necessidade calórica de um dia inteiro. Esses novos hábitos alimentares estão muito ligados ao modo de viver dos americanos, que se preocupam, no momento, com as alterações orgânicas decorrentes do aumento excessivo de peso, porque a população dos Estados Unidos, no geral, engordou bastante nas últimas décadas. Quando insisto em dietas equilibradas, destaco sempre dois pontos: a necessidade de conhecer as propriedades nutricionais de cada alimento e a de criar hábitos saudáveis de alimentação desde a infância. Um saco de pipocas, por exemplo, que qualquer um come brincando, tem 500 calorias. Se for feita na manteiga, o número sobe para 2000. E tem mais: dietas miraculosas, como a da Lua, do abacaxi, ou do pozinho que substitui a comida, não cumprem o que prometem. Dieta não é para uma semana, é para a vida toda. Por isso, não pode ser sinônimo de privação e sacrifício. Se comermos nas proporções e horários adequados, quase nada é proibido. Não é exagero dizer que vive mais quem come 70% da alimentação diária até as 2 horas da tarde e, daí em diante, come com moderação, pois disso depende sua saúde e bem-estar.
Drauzio – Isso quer dizer que comer na hora de dormir engorda mais?
> Tudo indica que o metabolismo fica mais lento à noite. Por isso, é aconselhável alimentar-se bem no início do dia, período de atividades mais intensas e, consequentemente, de maior queima de energia. Quando o ritmo decresce, deveríamos comer menos, mas geralmente ocorre o contrário. É mais fácil colocar dentro de um pão umas fatias de queijo e presunto, besuntá-lo com manteiga e tomar um refrigerante do que preparar uma salada. Ingerir açúcar rápido (pão, macarrão, massas, doces) à noite duplica a absorção e engorda. O aconselhável seria comer verduras, legumes, frutas, fibras e, talvez, algum grelhado.
A atividade física
Drauzio – Sem falar nos homens primitivos que lutavam para encontrar o que comer, num passado relativamente próximo, o homem era obrigado a locomover-se mais. Atualmente, ele desce pelo elevador, entra na garage, pega o carro e para na porta do local de destino. Quais as implicações da vida sedentária a que se submete o homem moderno?
> Na área da Cardiologia moderna, todos os trabalhos científicos publicados recentemente são unânimes em reconhecer que, para o coração, nada supera os benefícios da atividade física regular. Veja, insisto no termo: regular. Estudos realizados nos Estados Unidos demonstram que as pessoas devem fazer exercícios quatro vezes por semana durante meia hora, ou andar durante uma hora, sem exageros, mas com regularidade. Indivíduos idosos, que já adotaram essa conduta, têm melhor qualidade de vida. Provavelmente viverão mais dez anos do que viveriam se fossem sedentários.
Drauzio – Nos Estados Unidos, há um empenho em levar indivíduos de 80 anos para correr a maratona. Quando se poderia imaginar que alguém com essa idade seria capaz de correr 42 km?
> É surpreendente como eles conseguem fazê-lo. Há todo um trabalho corporal que possibilita não mais considerar idoso o indivíduo com 80 anos. Antigamente, quando se pensava em alguém com 80 anos, era comum ouvir-se: “Puxa, que velho!”. Hoje, conheço muita gente nessa idade que se dedica ao trabalho, toca empresas, leva vida produtiva. O investimento na longevidade saudável, porém, precisa começar cedo. Se a pessoa tem 40 anos e nunca fez exercícios, necessita de uma avaliação prévia, porque pode apresentar hipertensão leve ou níveis alterados de colesterol que requerem cuidados. Como provam os octogenários que correm a maratona, é possível iniciar uma atividade tardiamente. Nos primeiros dias, é aconselhável andar 15 minutos e ir aumentando o esforço aos poucos, até atingir uma hora. Nesse caso, não é válido considerar uma ida ao shopping para ver vitrines, subir e descer alguns lances de escadas e a movimentação própria do trabalho rotineiro, como treinamento regular. Sempre que posso aconselho: ande pelo prazer pessoal de andar. Ande num lugar gostoso, ouvindo música, observando a paisagem. O exercício precisa ser contínuo, cadenciado. Considere-o uma fonte de bem-estar. Uma ala expressiva de estudiosos no assunto garante que se deveria dedicar ao lazer o mesmo tempo que se leva trabalhando. Se isso soa utópico, mas pelo menos há de ser possível encontrar uma hora no dia para revertê-la em benefício pessoal.
Drauzio – Muitos se orientam pela sudorese para avaliar o ritmo adequado dos exercícios. Você concorda com isso?
> A sudorese é sinal de que o indivíduo atingiu certa frequência de batimentos cardíacos. O valor da frequência ideal é obtido por um teste ergométrico e cada pessoa deve exercitar-se ao redor de 80% de sua frequência máxima. Portanto, se o indivíduo está suando em bicas, provavelmente terá ultrapassado os limites desejáveis.
O peso da emoção
Drauzio- Que papel exercem as emoções nos casos de infarto do miocárdio?
>Quando se fala em infarto, a preocupação imediata recai sobre a hipertensão, os níveis elevados de colesterol, os malefícios do fumo. Muitos se esquecem dos efeitos negativos dos fatores emocionais sobre os males do coração. Nos congressos mundiais de Cardiologia, esse tema tem sido abordado com destaque especial, pois foi constatado que, em muitos casos, estados depressivos antecediam os infartos, sugerindo que, se a pessoa baixar a guarda, a probabilidade de um futuro infarto aumenta. Por isso, a depressão passou a ser vista como fator de risco tão importante quanto o colesterol, a pressão alta ou o cigarro. Num dos congressos, o cardiologista clínico do presidente Clinton discutiu sua proposta de trabalho que se tornou famosa pelos bons resultados obtidos. Trata-se de um tratamento que poderia ser chamado de alternativo, porque se baseia, principalmente, em dieta e meditação. Hoje, ninguém mais contesta a importância de estar atento ao lado emocional dos pacientes, antes e depois do infarto, porque a depressão custa a desaparecer. Indivíduos que tiveram um infarto ou foram revascularizados necessitam de suporte psicoterápico e familiar, pois costumam evoluir melhor aqueles que recebem cuidados e carinho das pessoas que o cercam.
Drauzio- Talvez o exercício físico ajude a amenizar esses quadros depressivos. Eu, nos dias em que corro, fico mais feliz. Você concorda com esse papel secundário da atividade física? Carlos Alberto Pastore – Sem dúvida, porque o organismo libera endorfina que ajuda a combater a depressão. Infelizmente, nem todos conseguem aplicar-se a um programa metódico de exercícios. Nesse caso, é preciso combater a depressão de alguma forma para evitar o risco de novo infarto. O COLESTEROL Drauzio – Lembrando que o ideal é valor de colesterol total abaixo de 200, como você orienta seus pacientes que apresentam níveis altos de colesterol?
> Como considero a informação fundamental para a adesão ao tratamento, explico aos pacientes a diferença entre o bom colesterol (HDL), que protege as artérias, pois não deixa a gordura grudar em suas paredes e o colesterol ruim (LDL), produtor de ateromas e de trombos. Como resultado, o objetivo principal é sempre melhorar o valor do HDL e diminuir o do LDL. O exercício, por exemplo, levanta o bom colesterol; o cigarro, abaixa-o. Por razões genéticas, alguns indivíduos não apresentam desequilíbrio algum no metabolismo das gorduras. Outros, por predisposição familiar, apesar da dieta, têm dificuldade de mantê-lo baixo. Felizmente, a farmacologia moderna está empenhada em criar drogas, cada vez mais eficientes, para combater o colesterol. É o caso das estatinas que, quase sem efeitos colaterais, diminuem a agressividade dos ateromas. No exterior, já há quem indique medicação para jovens com história familiar de colesterol elevado.
Drauzio – O colesterol alto pode manifestar-se em crianças cujos pais apresentem também essa característica? Foi publicado, num editorial do New England, que se deveria dosar o colesterol das crianças. Essa recomendação, feita há alguns anos, teria provocado estranheza. O que você acha disso?
> O colesterol elevado é uma doença e como tal deve ser encarado. Tenho um paciente que sofreu um infarto aos 30 anos e o colesterol de seu filho de 12 anos é 400. Se existem sinais de predisposição genética, as crianças precisam ser observadas. Além disso, numa família com tais características, prevenir é o melhor remédio. Cultivar, nas crianças, hábitos alimentares saudáveis pode representar excelente profilaxia, pois de nada adiantam dietas espartanas feitas durante um mês ou dois. Persistência e bom-senso são fundamentais para enfrentar essa dificuldade. Entretanto, não se deve abrir mão de certos prazeres. Oriento meus pacientes a terem juízo de segunda a sexta-feira: bom café da manhã, almoço caprichado e jantar frugal. Quando surgir uma festa no meio da semana, aceitem o convite, mas antes de sair comam algo que faça parte de sua dieta. Assim fica mais fácil resistir às tentações. Aos sábados e domingos, permitam-se algumas extravagâncias, mas esqueçam-se delas novamente, na segunda pela manhã.
Fonte: Drauzio Varella